sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Edgar Allan Poe - Os Fatos que Envolveram o Caso de Mr. Valdemar


Um artigo nosso, de mesmo título, foi publicado no último número da Revista Americana, de Mr. Colton, dando origem a um certo grau de discussão – especialmente no que se refere à verdade ou falsidade de algumas assertivas que então fizemos. Não cabe a nós, naturalmente, escrever uma única palavra em defesa do que foi dito. Fomos solicitados a reimprimir este artigo, o que fazemos com prazer. Deixamos que o texto fale por si mesmo. Podemos observar, entretanto, que existe uma certa classe de pessoas que se comprazem na Dúvida, como se fosse uma profissão. – Ed. B. J. (Broadway Journal)


É claro que não pretenderei considerar espantoso que o extraordinário caso de Mr. Valdemar tenha despertado tantas discussões. Teria sido um milagre que não tivesse – especialmente dentro das circunstâncias. Devido ao fato de que todas as partes interessadas desejassem evitar toda e qualquer publicidade, pelo menos por enquanto ou até que o assunto pudesse ser mais plenamente investigado e devido a nossos esforços para mantê-lo assim, um relato truncado e exagerado difundiu-se entre a sociedade e tornou-se a fonte de muitas falsas interpretações, dando origem, naturalmente, a muita descrença.
Tornou-se agora necessário expor todos os fatos – pelo menos até o ponto em que eu mesmo os compreendi. Resumidamente, são os seguintes:

Minha atenção, durante os últimos três anos, foi repetidamente atraída para o assunto do mesmerismo; cerca de nove meses atrás, ocorreu-me, muito subitamente que, na série de experiências realizadas até agora, houve uma omissão realmente notável e inexplicável – nenhuma pessoa tinha ainda sido hipnotizada in articulo mortis.[1] Primeiro, deveria ser determinado se, em tal condição, permanecia no paciente qualquer susceptibilidade à influência magnética; em segundo lugar, se fosse estabelecido que existia, se era prejudicada ou fortalecida por essa condição; em terceiro, até que ponto e por quanto tempo a atividade da Morte poderia ser interrompida pelo processo. Havia outros pontos a investigar, mas eram estes que mais me excitavam a curiosidade – o último, em especial, devido ao caráter imensamente importante de suas consequências.
Olhando o redor de mim a fim de encontrar algum paciente por meio de quem pudesse testar estas possibilidades, fui levado a pensar em meu amigo, Mr. Ernest Valdemar, o bem conhecido compilador da Bibliotheca Forensica e autor (sob o nom de plume[2] de Issachar Marx) das versões polonesas de Wallenstein e de Gargantuá. O sr. Valdemar, que tinha residido principalmente no bairro de Harlem, em Nova York, desde o ano de 1839, é (ou era) particularmente notável pela extrema magreza corporal, seus membros inferiores lembrando muito os de John Randolph;[3] e também pela brancura de sua barba, em violento contraste com seus cabelos pretos, que, em conseqüência, eram muitas vezes confundidos com uma peruca. Seu temperamento era marcadamente nervoso e o tornava um bom paciente para experiências mesméricas. Em duas ou três ocasiões, eu já o tinha feito dormir com pouca dificuldade, mas fiquei desapontado pela ausência de outros resultados que sua constituição peculiar me tinha naturalmente levado a antecipar. Porém sua vontade nunca esteve positiva nem inteiramente sob meu controle; e quanto à clarividência, não pude obter dele nada em que pudesse me basear. Sempre atribuí meu fracasso com relação a estes pontos ao mau estado de sua saúde. Durante alguns meses antes que nos conhecêssemos, seus médicos tinham declarado que sofria de tísica, de tuberculose. Era seu costume, de fato, conversar calmamente sobre a morte que se aproximava, não evitando nem lamentando este assunto.

Quando as idéias a que aludi me ocorreram pela primeira vez, foi a coisa mais natural que pensasse em Mr. Valdemar. Conhecia muito bem a calma filosofia do homem para esperar quaisquer escrúpulos de sua parte; tampouco ele tinha parentes nos Estados Unidos que pudessem interferir. Falei-lhe francamente sobre o assunto. Para minha surpresa, seu interesse pareceu vividamente despertado. Disse que foi para minha surpresa, porque, embora ele tivesse sempre cedido sua pessoa livremente a minhas experiências, nunca antes demonstrara nenhum sinal de simpatia por minhas atividades. Sua doença era daquele caráter que admite um cálculo exato com respeito à época de seu desenlace através da morte; finalmente, foi estabelecido entre nós que ele mandaria me chamar cerca de vinte e quatro horas antes do período anunciado por seu médico para seu falecimento.
Já faz agora um pouco mais de sete meses desde que recebi o bilhete abaixo, escrito pela própria mão de Mr. Valdemar:


MEU CARO P.
É melhor que você venha agora mesmo. D. e F. concordaram que não posso durar além da meia-noite de amanhã. Acredito que tenham marcado a hora com bastante exatidão.
VALDEMAR

Recebi este bilhete meia hora depois que foi escrito e dentro de quinze minutos já me encontrava no quarto do moribundo. Havia dez dias que não o via e fiquei impressionado com a profunda alteração que o breve intervalo tinha lhe causado. Suas faces estavam cor de chumbo, os olhos estavam completamente sem brilho, e a magreza tornara-se tão extrema, que os ossos malares tinham perfurado a pele do rosto. Sua expectoração era excessiva. O pulso, quase imperceptível. Ele conservava, não obstante e de forma bastante notável, tanto os poderes mentais como um certo grau de força física. Falava distintamente, tomava alguns remédios paliativos sem ajuda e, quando entrei no quarto, estava ocupado em escrever algumas anotações em uma agenda. Encontrei-o sentado na cama, apoiado em travesseiros. Os doutores D. e F. estavam presentes.
Depois de apertar a mão de Valdemar, levei à parte estes cavalheiros e obtive deles um relatório minucioso sobre a condição do paciente. Havia já dezoito meses que o pulmão esquerdo estava em um estado semi-ossificado ou cartilaginoso; desse modo, naturalmente era inútil para todos os propósitos de conservação da vida. A parte superior do pulmão direito também estava parcial ou totalmente ossificada, enquanto a região inferior era apenas uma massa de tubérculos purulentos, quase encostados uns nos outros. Existiam diversas perfurações extensas; em um ponto, já havia adesão permanente às costelas. Esta aparência do pulmão direito surgira em uma data relativamente recente. A ossificação tinha ocorrido com uma rapidez fora do comum; somente um mês antes, não se detectara qualquer sinal dela; e a adesão apenas tinha sido observada há três dias. Independentemente da tísica, suspeitavam que o paciente apresentava um aneurisma na aorta; mas quanto a este ponto, os sintomas ósseos tornavam impossível um diagnóstico exato. Era opinião de ambos os médicos que Mr. Valdemar faleceria ao redor da meia-noite do dia seguinte (domingo). Naquele momento eram sete horas da noite de sábado.
Ao deixarem a cabeceira da cama do inválido para conversar comigo, os doutores D. e F. haviam se despedido dele. Não tinham a intenção de retornar; porém, a meu pedido, concordaram em dar uma olhada no paciente por volta das dez horas da noite seguinte.


Depois que eles foram embora, falei livremente com Mr. Valdemar sobre o assunto de seu próximo passamento e muito em particular sobre a experiência que nos propuséramos realizar. Ele ainda se manifestou inteiramente disposto a cooperar e até mesmo ansioso para que a tentativa fosse realizada, pressionando-me a começar de imediato. Um enfermeiro e uma enfermeira estavam presentes, mas não me senti inteiramente em liberdade para iniciar uma tarefa deste caráter sem a presença de testemunhas mais confiáveis do que estas pessoas poderiam demonstrar-se no caso de um súbito acidente. Deste modo, adiei as operações até cerca de oito horas na noite seguinte, quando a chegada de Mr. Theodore L., um estudante de medicina com quem matinha um certo relacionamento, poupou-me novos embaraços. Minha intenção original era a de esperar pela chegada dos médicos, mas fui levado a prosseguir, primeiro pelos pedidos urgentes do sr. Valdemar; e em segundo lugar, pela minha convicção de que não tinha um momento a perder, porque ele estava evidentemente se aproximando do desfecho.
Mr. L. fez-me a gentileza de tomar anotações sobre tudo o que ocorresse; e é a partir de suas notas que os fatos que vou relatar agora foram, na sua maior parte, condensados ou transcritos verbatim.[4]
Faltavam uns cinco minutos para as oito quando, tomando a mão do paciente, pedi-lhe que declarasse, tão claro quanto lhe fosse possível, para o benefício de Mr. L., que ele, Mr. Valdemar, estava inteiramente disposto a permitir que eu realizasse a experiência de hipnotizá-lo nas condições em que se achava.
Ele replicou fracamente, mas em voz clara e audível:

– Sim, eu quero ser mesmerizado – acrescentando imediatamente após –, mas temo que você tenha demorado demais.

Ele ainda falava e eu já começara os passes que tinha percebido anteriormente serem os mais eficientes para colocá-lo em transe. Ele foi evidentemente influenciado pelo primeiro golpe lateral de minha mão contra sua testa; mas embora eu exercesse todos os meus poderes, nenhum outro efeito perceptível foi induzido até que, alguns minutos depois das dez horas, quando os doutores D. e F. chegaram, de acordo com o compromisso que haviam assumido, expliquei-lhes em poucas palavras o que eu pretendia; e como eles não opusessem nenhuma objeção, dizendo que o paciente estava mesmo nas agonias da morte, prossegui sem mais delongas – trocando, entretanto, os passes laterais por outros descendentes e dirigindo a vista inteiramente para o olho direito do moribundo.
A essa altura, seu pulso se achava imperceptível e tinha começado a estertorar, a intervalos de meio minuto.
Esta condição permaneceu quase inalterada durante um quarto de hora. No final deste período, entretanto, um suspiro natural mas muito profundo escapou-lhe do peito e o estertor cessou – quer dizer, o ruído não era mais aparente em sua respiração, mas os intervalos entre as inspirações continuavam os mesmos. As extremidades do paciente estavam frias como gelo.
Cinco minutos depois das onze horas, percebi sinais inequívocos de influência mesmérica. O movimento vítreo dos olhos foi trocado por aquela expressão de inquietante exame interior, que só é vista em casos de sonambulismo e que é inteiramente impossível confundir. Por meio de alguns rápidos passes laterais, eu fiz as pálpebras tremerem, como se o sono se aproximasse e, com mais alguns, fiz com que os olhos se fechassem completamente. Entretanto, não me dei por satisfeito com isso, mas continuei minhas manipulações vigorosamente, com o mais completo esforço da vontade, até que tivesse endurecido completamente os braços e pernas do adormecido, depois de colocá-los em uma posição que a mim parecia confortável. As pernas estavam completamente esticadas e os braços caíam naturalmente sobre o leito a uma distância moderada dos flancos. A cabeça estava muito levemente elevada sobre os travesseiros.
Quando terminei estas preparações, a meia-noite já havia chegado e solicitei aos cavalheiros presentes que examinassem as condições de Mr. Valdemar. Depois de algumas experiências, admitiram que se encontrava em um perfeito estado de transe hipnótico, bem mais profundo que o comum. A curiosidade de ambos os médicos tinha sido grandemente despertada. O dr. D. resolveu imediatamente permanecer com o paciente durante toda a noite, enquanto o dr. F. se despediu com a promessa de que regressaria ao romper da aurora. Mr. L, e os enfermeiros permaneceram.

Não perturbamos Mr. Valdemar em absoluto até mais ou menos as três da manhã, quando me aproximei dele e o encontrei precisamente nas mesmas condições em que se achava quando saíra o dr. F. Isto significa que ele jazia na mesma posição; o pulso se achava imperceptível, a respiração muito fraca (quase não dava para notar, exceto quando se colocava um pequeno espelho diante de seus lábios); os olhos estavam fechados com naturalidade, enquanto os membros permaneciam tão frios e tão rígidos como mármore. Mesmo assim, a aparência geral certamente não era a de um morto.
Quando me aproximei de Mr. Valdemar, fiz uma tentativa meio desanimada para influenciar seu braço direito a acompanhar o meu, enquanto este passava gentilmente, para cá e para lá sobre seu corpo. Ao fazer este tipo de experiência com o paciente, nunca obtivera pleno sucesso em ocasiões anteriores; certamente não tinha muita esperança de conseguir resultados agora, mas, para meu assombro, seu braço prontamente, embora com movimentos fracos e débeis, moveu-se em todas as direções assinaladas pelo meu. Resolvi-me a tentar algumas palavras como início de conversa:

– Mr. Valdemar – disse eu –, o senhor está dormindo?

Ele não respondeu, mas percebi que seus lábios tremiam e decidi repetir a questão várias vezes. Na terceira repetição, seu arcabouço inteiro foi agitado por um tremor muito leve, as pálpebras se ergueram o suficiente para mostrar uma parte do branco do olho, os lábios moveram-se preguiçosamente e um murmúrio quase inaudível passou por eles e proferiu as palavras:

– Sim – dormindo agora. Não me acorde! – deixe-me morrer assim!

Toquei seus braços e pernas e senti que estavam tão rígidos como antes. Mas o braço direito, como antes, obedecia às instruções de minha mão. Questionei o sonâmbulo outra vez:

– Ainda sente dores no peito, Mr. Valdemar?

Desta vez a resposta foi imediata, se bem que ainda menos audível do que antes.

– Nenhuma dor – estou morrendo.

Não achei aconselhável perturbá-lo mais nesse momento e nada mais foi feito ou dito até a chegada do dr. F., que chegou um pouco antes do nascer do sol e expressou um completo espanto por encontrar o paciente ainda vivo. Depois de sentir-lhe o pulso e aplicar um espelho a seus lábios, solicitou-me que falasse novamente com o adormecido. Aquiesci, dizendo:

– Mr. Valdemar, ainda está dormindo?

Como anteriormente, alguns minutos transcorreram antes que uma resposta fosse dada; e durante o intervalo, o moribundo parecia estar reunindo energias para falar. Quando repeti a pergunta pela quarta vez, ele disse muito fracamente, em uma voz que mal se escutava:

– Sim, estou adormecido – estou morrendo.

Era agora a opinião, ou antes a ordem dos médicos, que Mr. Valdemar fosse deixado tranquilo em seu estado presente de aparente calma, até que sobreviesse a morte – o que ocorreria, segundo concordaram, dentro de alguns minutos. Mas decidi falar com ele uma última vez e meramente repeti minha última pergunta.
Enquanto falava, ocorreu uma sensível mudança na fisionomia do hipnotizado. Os olhos se abriram lentamente, embora as pupilas estivessem invisíveis, porque o globo ocular havia girado para cima; a pele assumiu uma coloração cadavérica geral, parecendo não tanto pergaminho como papel branco; e as manchas circulares provocadas pela febre, que até então estavam claramente definidas no centro de cada face, se apagaram subitamente. Uso esta expressão porque desapareceram tão subitamente que me fizeram lembrar o apagar de uma vela por um sopro repentino. O lábio superior, ao mesmo tempo, retorceu-se para mostrar os dentes, que até então havia recoberto completamente, enquanto a mandíbula inferior abria-se com um ruído perfeitamente audível, deixando a boca bem aberta e mostrando claramente a língua inchada e enegrecida. Presumo que nenhum dos presentes no quarto estava desacostumado aos horrores que ocorrem em um leito de morte, mas a aparência de Mr. Valdemar tornou-se medonha além da imaginação, a tal ponto que todos recuamos involuntariamente de perto da cama.

Sinto agora que atingi o ponto da narrativa que vai despertar a positiva descrença de todos os leitores. Todavia, meu dever é simplesmente prosseguir.
Não havia agora os menores sinais de vitalidade em Mr. Valdemar. Concluindo que se achava morto, íamos entregá-lo aos cuidados dos enfermeiros, quando um forte movimento vibratório foi observado em sua língua. Esta vibração permaneceu talvez por um minuto inteiro. Ao final deste período, as mandíbulas distendidas e imóveis projetaram uma espécie de voz – uma voz tal que seria loucura minha tentar descrevê-la. Existem alguns adjetivos que poderiam ser-lhe parcialmente aplicáveis; eu poderia dizer, por exemplo, que o som era áspero, cavo e entrecortado; mas o conjunto horrendo e indescritível, pela simples razão de que sons semelhantes nunca foram lançados contra os ouvidos da humanidade. Não obstante, dois detalhes, conforme pensei na ocasião e ainda penso, poderiam ser com justeza declarados como característicos da entonação – e igualmente capazes de transmitir alguma idéia sobre suas peculiaridades sobrenaturais. Em primeiro lugar, a voz parecia atingir nossos ouvidos – pelo menos os meus – vinda de uma vasta distância, como se estivesse sendo projetada de uma imensa caverna nas profundezas da terra. Em segundo lugar, impressionou-me (e, neste ponto, realmente temo que será impossível fazer-me compreender) como as coisas gelatinosas e pegajosas afetam o sentido do tato.
Mencionei tanto “som” como “voz”. Quero dizer que o som apresentava uma elocução distinta, uma dicção maravilhosa, uma pronúncia emocionantemente nítida das sílabas. Mr. Valdemar falou – obviamente em resposta à última pergunta que lhe havia feito alguns minutos antes. Como certamente os leitores se lembrarão, eu tinha indagado, mais uma vez, se ainda dormia. Desta vez, ele disse:

– Sim – não – eu estive dormindo. Mas agora – agora – eu estou morto.

Nenhum dos presentes pretendeu negar ou fingiu reprimir o horror trêmulo e indizível que nos acometeu, produzido por estas palavras, proferidas dessa maneira. Mr. L. (o estudante de medicina) desmaiou. Os enfermeiros imediatamente saíram do quarto e nada pudemos fazer que os induzisse a retornar. Não pretendo transmitir minhas próprias impressões aos leitores, porque são incompreensíveis até para mim mesmo. Por quase uma hora, nos ocupamos, silenciosamente, sem emitir uma só palavra, em reviver Mr. L. Depois que ele voltou a si, voltamos a investigar as condições de Mr. Valdemar.
Em todos os sintomas discerníveis, permanecia exatamente como descrevi da última vez, com a exceção de que o espelho não mostrava mais sinais de respiração. Uma tentativa de retirar sangue do braço falhou. Devo mencionar, também, que seu braço não respondia mais à minha vontade. Tentei em vão fazê-lo seguir a direção de minha mão. A única indicação real da influência mesmérica estava agora no movimento vibratório da língua, sempre que eu dirigia uma questão ao sr. Valdemar. Ele parecia estar fazendo um grande esforço para replicar, mas não possuía mais suficiente volição. Parecia totalmente insensível a perguntas que lhe fossem dirigidas por qualquer outra pessoa, mesmo que eu tivesse tentado estabelecer uma relação magnética com cada um dos presentes. Acredito que já relatei quanto é necessário para uma compreensão do estado em que o hipnotizado se encontrava nessa época. Foram contratados outros enfermeiros e às dez horas eu deixei a casa em companhia dos dois médicos e de Mr. L.

De tarde, voltamos todos para ver o paciente. Suas condições permaneciam exatamente as mesmas. Entabulamos uma discussão sobre a possibilidade e necessidade de despertá-lo, mas não encontramos muita dificuldade em concordar que não haveria nenhum resultado positivo se o fizéssemos. Era evidente que, por enquanto, a morte (ou aquilo que em geral chamamos de morte) tinha sido interrompida pelo processo mesmérico. Parecia claro a todos nós que acordar Mr. Valdemar seria garantir seu imediato falecimento, ou que, pelo menos, este ocorreria em poucos minutos.
Desde essa data até o final da semana passada – um intervalo de quase sete meses – continuamos a visitar diariamente a casa de Mr. Valdemar, algumas vezes acompanhados por outros médicos ou por alguns amigos. Todo esse tempo o magnetizado permaneceu exatamente com o tínhamos deixado da última vez. A atenção dos enfermeiros foi contínua.

Foi na última sexta-feira que finalmente decidimos fazer a experiência do despertar, desde que isso fosse possível; e foi o resultado (talvez) infeliz deste último experimento que deu origem a tantas discussões em círculos particulares – que deu origem a uma parte tão importante do que não posso deixar de denominar um sentimento popular injustificável.
Com o propósito de aliviar Mr. Valdemar de seu transe mesmérico, usei os passes de costume. Apesar de meus esforços, durante algum tempo não obtive o menor sucesso. A primeira indicação de um retorno à vida foi uma descida parcial das íris dos olhos. Foi observado, como se fosse particularmente notável, que este movimento das pupilas era acompanhado por um derramamento profuso de uma espécie de pus amarelado (que brotava de algum ponto sob as pálpebras) de odor pungente e altamente ofensivo.
Foi então sugerido que eu tentasse influenciar o braço do paciente, como havia feito anteriormente. Fiz a tentativa em sucesso. O dr. F. então manifestou o desejo de que eu apresentasse uma questão ao adormecido. Procedi da maneira seguinte:

– Mr. Valdemar, o senhor poderia nos explicar quais são seus sentimentos ou seus desejos no presente momento?

Houve um retorno instantâneo dos círculos coloridos nas faces, a língua pôs-se a tremer, ou melhor, passou a girar violentamente no interior da boca (embora as mandíbulas e os lábios permanecessem tão rígidos quanto antes) e, afinal, a mesma voz pavorosa que descrevi anteriormente explodiu em palavras entrecortadas:

– Pelo amor de Deus! Depressa! Depressa! Faça-me dormir de novo! Ou então, depressa! Acorde-me – acorde-me logo! – Eu lhe digo que estou morto!

Meu sistema nervoso ficou completamente afetado e por um instante permaneci sem saber o que fazer. A princípio, fiz uma tentativa para acalmar o paciente; porém, fracassando devido à total ausência da vontade do magnetizado, mudei de idéia, refiz as etapas ao contrário e lutei energicamente para despertá-lo. Logo percebi que este processo teria êxito – ou, em minha fantasia, logo imaginei que meu sucesso seria completo –, e tenho certeza de que todos os presentes estavam agora aguardando o despertar do paciente.
Porém é completamente impossível que qualquer ser humano pudesse estar preparado para o que realmente ocorreu.
Rapidamente, dei os passes indicados pela ciência mesmérica, enquanto os gritos de “Morto! Morto!” absolutamente explodiam da língua do infeliz, embora seus lábios permanecessem sem movimento. E, de repente, seu corpo inteiro – no transcurso de um único minuto ou talvez ainda menos – encolheu – desmanchou-se – absolutamente apodreceu diante de nossos olhos, enquanto minhas mãos ainda o estavam tocando. Sobre a cama, sob as vistas estupefatas de todos os presentes, havia somente uma massa quase líquida de podridão nojenta e detestável.


[1] No momento da morte. Em latim no original.
[2] Nom de plume é a expressão francesa para pseudônimo literário.
[3] John Randolph of Roanoke, 1773-1833, estadista americano.
[4] Palavra por palavra. Abreviatura da locução latina verbatim ac litteratim (letra por letra).





Nenhum comentário:

Postar um comentário